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quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

ENTRE REZAS E RESSACAS: QUANDO A FÉ VIRA COBRANÇA


Em um bar do sertão, fazendo um calor de rachar, perto das dez da manhã, dois amigos se encontram:


— E aí, Richardson, que que cê tá fazendo aqui tão cedo?
    — O mesmo que você, Claudemir: bebendo pra esquecer os problemas.
         — Ah, pára com isso! Problema é coisa que a gente inventa!
    — Como assim, inventa? Claro que existe! Meu carro quebrou.
    — É porque você não fez a manutenção adequada!
    — Minha casa tá sem luz.
    — É porque você não pagou a conta! 

— Já pedi pra Deus e a todos os santos me ajudar!

— Tá vendo? Você mesmo causa suas desgraças. E ainda fica rezando pra santo, achando que eles vão resolver. Santo vai trabalhar pra pagar sua conta de luz? Deus vai capinar seu lote pra comprar sua comida? Para, né…
    — Para de falar besteira! Eu rezo porque tenho fé, e Deus não me abandona.
    — Besteira? Você que tá aqui gastando dinheiro com cachaça enquanto sua mulher tá lá, quebrando as costas na roça. E quando ela chega, você ainda pede o dinheiro dela pra vir pro bar. Lembra quando o Donias te deu um soco? Você sentou no chão chorando e gritando: “Deus, me ajuda a revidar!”. Que ridículo! Você bota Deus em tudo, como se Ele fosse seu empregado. Tem gente doente rezando em silêncio, sem berrar, e você aí fazendo escândalo. Deus gosta de quietude, não de barulho!
    — E o senhor Jorge, que fica bravo quando os jovens ligam o som alto, mas ele mesmo faz um alvoroço na rua quando começa a pregar? Você acha que Deus gosta disso? Ele quer humildade, oração baixa, sem perturbar os outros.
    — Tá bom, tá bom… Hoje você acordou chato. Vou embora, vou ver se minha mulher já voltou do serviço, quem sabe ela trouxe um dinheiro… Se Deus quiser, mais tarde eu volto e a gente toma mais uma.

    E quando Claudemir saiu, Richardson só balançou a cabeça, pediu outra dose e murmurou as mesmas rezas de sempre. Nada daquela conversa tinha adiantado.


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